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Estado de Minas FERIDAS DE CORPO E ALMA

Do estupro ao aborto: a dif�cil jornada da mulher v�tima de viol�ncia sexual em Minas

Al�m do crime sexual, elas sofrem preconceito e press�o da fam�lia para levar a gravidez adiante


22/08/2020 04:00 - atualizado 23/08/2020 06:15

Em Minas, no ano passado, 1.371 mulheres denunciaram esse tipo de violência(foto: Pixabay)
Em Minas, no ano passado, 1.371 mulheres denunciaram esse tipo de viol�ncia (foto: Pixabay)


No ano passado, 1.371 mulheres foram estupradas em Minas. Neste mesmo per�odo, os hospitais do estado realizaram 136 abortos legais. Este ano, at� junho, 475 v�timas procuraram a pol�cia para denunciar esse tipo de viol�ncia. 94 abortos seguros foram feitos em 2020. A mulher v�tima de estupro tem direito, por lei, a interromper a gravidez no Brasil. Lidar com medo e vergonha, no entanto, s�o desafios que atravessam o pedido de ajuda, pesa os n�meros das estat�sticas para baixo e, muitas vezes, toma um tempo de decis�o que � determinante no tratamento. Quem trabalha na linha de frente do atendimento a essas v�timas de viol�ncia sexual convive com o desafio de acolher, orientar e tratar essas mulheres fragilizadas.

Minas Gerais tem quase cinco estupros por dia de meninas de at� 14 anos

A ginecologista e obstetra Sara Paiva trabalha h� cinco anos no Hospital das Cl�nicas da Universidade Federal de Minas Gerais (HC-UFMG) ajudando mulheres que foram violentadas. “Um grande problema no atendimento a essas mulheres � que, infelizmente, muitas chegam em busca de assist�ncia tarde. Isso faz com que, muitas vezes, busquem ajuda j� em uma situa��o de gesta��o ou com uma infec��o sexualmente transmiss�vel que poderia ter sido evitada”, comenta a  m�dica, que � coordenadora do Servi�o de Atendimento de Viol�ncia Sexual do HC-UFMG. Ela explica que � muito importante as mulheres, v�timas de estupro, saberem que as primeiras 72 horas s�o cruciais para procurar um servi�o de sa�de ap�s ter sofrido viol�ncia sexual.

O C�digo Penal considera estupro qualquer ato que visa “constranger algu�m, mediante viol�ncia ou grave amea�a, a ter conjun��o carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”,  em seu artigo 213, Lei 12.015, de 2009. Em Minas, no ano passado, 1.371 mulheres denunciaram esse tipo de viol�ncia. Em 2018, foram 1.622. Na capital mineira, os n�meros tamb�m chamam a aten��o: 102 at� junho deste ano, 238 em 2019 e 289 em 2018, segundo dados da Secretaria de Estado de Justi�a e Seguran�a P�blica. Este tipo de crime, entretanto, � um dos mais subnotificados, segundo a pasta.

A decis�o pelo sil�ncio e, consequentemente, deixar o criminoso impune, al�m de reduzir os dados estat�sticos, � reflexo do preconceito da sociedade que ainda insiste em culpar a mulher pela viol�ncia sexual. Isso acontece at� mesmo quando elas quebram essa barreira e decidem procurar ajuda. “Percebo que � muito comum no atendimento o preconceito �s mulheres v�timas de viol�ncia sexual. Eu j� vi v�rios colegas profissionais falarem a seguinte frase: ‘Mas vestida desse jeito. � querer que seja violentada’ ou: “Mas, tamb�m, o que voc� estava fazendo sozinha de madrugada na rua?’”, relata a ginecologista Sara. Ela aponta que uma das dificuldades que ela encontra na profiss�o � exatamente a de lidar com o julgamento dos pr�prios colegas profissionais de sa�de. “Independentemente da roupa que voc� usa, da cor da sua pele, da sua profiss�o, de estar sozinha ou n�o andando na rua, ningu�m tem direito de fazer com voc� e, com o seu corpo o que voc� n�o quer”, destaca.

Em Minas, foram realizados 136 em 2019 (foto: Arte/Soraia Piva)
Em Minas, foram realizados 136 em 2019 (foto: Arte/Soraia Piva)

GRAVIDEZ � OUTRO DRAMA

Quando a viol�ncia resulta em gravidez, o quadro � ainda pior. A decis�o pelo aborto legal, que � um direito da mulher violentada, ultrapassa as condi��es cl�nicas e bate em tabus sociais. “S�o muitas as barreiras para o acesso ao aborto legal no Brasil, para adultos, crian�as e adolescentes. Al�m das limita��es mais espec�ficas sobre o acesso ao sistema de sa�de, observamos muitas pr�ticas violentas de constrangimento, coer��o e convencimento das meninas e fam�lias para o n�o abortamento”, afirma a psic�loga Let�cia Gon�alves, especialista em aten��o a pessoas v�timas de viol�ncia.

S�o tr�s as situa��es em que o aborto � legalizado no Brasil.  Al�m da gravidez que decorre do estupro, a interven��o pode ser realizada quando n�o h� outro meio de salvar a vida da gestante ou o feto � anenc�falo. Neste ano, foram 94 abortos legais at� junho, 136 em 2019 e 149 em 2018. Em Belo Horizonte, os dados fecharam em 35 at� junho deste ano, 45 em 2019 e 58 em 2018, segundos dados do DataSUS. Os n�meros, no entanto, n�o separam qual foi a condi��o do aborto.



Para a m�dica e obstetra Mariana Meiberg, outro fator tamb�m pesa nesses n�meros. Ela relata que, nos oito anos que trabalhou acolhendo e tratando mulheres v�timas de estupro no Hospital das Cl�nicas e na Maternidade Odete Valadares, viu muitos familiares influenciarem na decis�o pela continuidade de uma gravidez fruto de viol�ncia por causa de cren�a. “A cria��o religiosa deixa a quest�o do aborto um pouco mais dif�cil. A gente explica tudo, mas n�o � nossa fun��o no ambulat�rio julgar essa paciente, julgar essa fam�lia, nossa fun��o � acolher e ela ser� acolhida independentemente da decis�o”, comenta.

BH tem seis unidades para  interrup��o de gesta��o

BH conta com seis unidades de sa�de no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Sa�de (CNES) para fazer a interrup��o legal da gesta��o nos casos previstos em lei. As unidades s�o Hospital das Cl�nicas/UFMG, Hospital Odilon Behrens, Hospital J�lia Kubitschek, Maternidade Odete Valadares, Santa Casa de Belo Horizonte e Hospital Risoleta Tolentino Neves. As unidades precisam ter equipe multiprofissional capacitada, para garantir que durante todo o atendimento � mulher seja assistido de maneira humanizada e que ela possa ter suas d�vidas esclarecidas sendo auxiliada na garantia de seus direitos.

Segundo a legisla��o brasileira, n�o � necess�ria autoriza��o judicial ou boletim de ocorr�ncia para realizar aborto em caso de estupro. Sendo assim, � estabelecido um procedimento de justifica��o e autoriza��o da interrup��o da gravidez no hospital.

As etapas s�o mesmo burocr�ticas. Quem decide interromper a gravidez vai precisar preencher cinco termos: termo de consentimento, termo de responsabilidade e termo de relato circunstanciado em que a mulher deve descrever as circunst�ncias da viol�ncia sexual que resultou na gravidez. Al�m disso, � necess�rio um parecer t�cnico assinado por m�dico, atestando a compatibilidade da idade gestacional com a data da viol�ncia sexual alegada. Isso � para afastar a hip�tese da gravidez decorrente de outra circunst�ncia diferente da viol�ncia sexual.

“A �nica forma de a gente fazer essa avalia��o � atrav�s da ultrassonografia. Com o c�lculo da idade gestacional correto, podemos fazer os c�lculos da data prov�vel da concep��o”, explica Sara.

Al�m disso, essa paciente tem que ser examinada por uma equipe da psiquiatria para fazer a avalia��o de que ela est� apta a se internar e participar de todo o processo. “Ap�s a viol�ncia sexual, algumas pacientes podem apresentar transtorno de estresse p�s-traum�tico, com altera��es do humor que precisam ser controladas antes da paciente ser internada e submetida � interrup��o legal da gesta��o”, informa.



Para a psic�loga Let�cia Gon�alves, n�o � o procedimento de aborto seguro que causa traumas e, sim, as circunst�ncias. “N�o h� consensos, mas, de todo modo, os estudos mais relevantes sobre este assunto indicam que o aborto, em si, n�o � motivador de adoecimento, menos ainda de traumas”, disse. A especialista aponta que o aspecto mais importante que gera adoecimento tem sido o estigma com que o aborto � tratado e, consequentemente, as pessoas que o realizam.

“Eu tenho estudado as moralidades que produzem este tipo de estigma e tipificado estas moralidades como viol�ncias. N�o podemos afirmar, portanto, que o aborto em si possui rela��o causal com qualquer sofrimento ps�quico, de maneira gen�rica e generalista. Por outro lado, podemos afirmar que quando o aborto � realizado de forma adequada e segura, tendo a mulher ou a crian�a uma rede de apoio e acesso aos cuidados em sa�de indicados, tende a n�o produzir sofrimento”, diz.

* Estagi�ria sob supervis�o do subeditor Paulo Nogueira


ENQUANTO ISSO
...Projeto orienta v�timas

Um projeto de lei em tramita��o na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte sugere que mulheres v�timas de estupro que ficarem gr�vidas e desejem fazer aborto assistam a cenas “com demonstra��o de t�cnicas de abortamento com explica��es sobre atos de destrui��o, fatiamento e suc��o do feto, bem como a rea��o do feto a tais medidas”. A proposta feita pelo deputado Kleber Rodrigues (PL-RN) chama a aten��o ap�s a repercuss�o do caso da menina de 10 anos, que teve um aborto legal, ap�s ser estuprada pelo pr�prio tio. Segundo o site UOL, o Projeto 028/2020 estabelece que, antes de uma autoridade judici�ria permitir o aborto, a gestante aguardar� um prazo m�nimo de 15 dias em que “submeter� obrigatoriamente a atendimento psicol�gico com vistas a dissuadi-la da ideia de realizar o abortamento”.
 
 


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