Cerco a estudantes acusados de burlar o sistema de cotas para conseguir vaga na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Sessenta e dois alunos est�o na berlinda, correndo risco de expuls�o. Desses, 34 j� ser�o submetidos a processo administrativo disciplinar, resultado de sindic�ncia instaurada no ano passado pela institui��o para apurar supostas irregularidades. Os nomes de outros 28 foram apresentados ontem em dossi� elaborado por alunos integrantes do movimento negro, em mais uma s�rie de den�ncias. Uma comiss�o formada para conduzir e acompanhar as a��es afirmativas promete fazer uma devassa em documentos e at� na vida de candidatos ao sistema e seu n�cleo familiar, em caso de suspeita de fraude, mas a Federal afirma que n�o vai promover uma “ca�a �s bruxas”, apenas aprimorar a pol�tica social.
Ao todo, a comiss�o de sindic�ncia analisou 61 den�ncias de supostas fraudes de estudantes que entraram na institui��o pelo Sistema de Sele��o Unificada (Sisu) em 2017. Dessas, 34 resultar�o em processos e 10 se referem a estudantes que j� se desligaram da institui��o. Em 17 casos a comiss�o validou a autodeclara��o (pretos/pardos e ind�genas) por meio da an�lise fenot�pica – cor da pele, tipo de cabelos, formato dos l�bios, entre outras caracter�sticas. “O processo administrativo e disciplinar � a segunda etapa, a continuidade da sindic�ncia investigat�ria. Foram juntados documentos e, a partir da�, houve a abertura de processo em rela��o aos 34. Esses estudantes ser�o novamente chamados. Haver� novamente coleta de informa��es”, afirma o pr�-reitor de Assuntos Estudantis, Rodrigo Ednilson de Jesus. Segundo ele, com base no trabalho da primeira comiss�o, o novo grupo formado para verifica��o das informa��es vai emitir parecer, indicando a aplica��o ou n�o das puni��es – a m�xima � o desligamento da universidade. “Essa comiss�o de procedimento vai definir a penalidade adequada depois de identificar e apurar os fatos”, ressalta.
A Comiss�o Permanente de A��es Afirmativas e Inclus�o Social da UFMG foi criada para elaborar, acompanhar e conduzir a pol�tica de a��es afirmativas e de inclus�o social da universidade. Ela ter� nove pessoas, entre negros e brancos, representados por docentes, funcion�rios t�cnico-administrativos e estudantes ligados ao tema. De acordo com a institui��o, seus integrantes poder�o “fazer entrevistas, visitas em domic�lio, consultas a cadastros de informa��es socioecon�micas do candidato e do seu n�cleo familiar e aplica��o de question�rios com m�ltiplas quest�es sobre a ra�a para a verifica��o do pertencimento racial”. O grupo ser� institu�do por meio de portaria. A previs�o � de que o documento seja assinado nos pr�ximos dias pela reitora Sandra Goulart Almeida.
Questionado sobre a autodeclara��o prevista na Lei das Cotas para o candidato a vaga em institui��o federal de ensino, Rodrigo Ednilson diz que a autodeclara��o precisa se respaldar em crit�rios. “Do ponto de vita jur�dico, fazemos refer�ncia a dois pareceres do Supremo Tribunal Federal, dos ministros Ricardo Levandowski e (Lu�s Roberto) Barroso, reconhecendo que a autodeclara��o n�o se d� no vazio nem de forma aut�noma, porque � uma negocia��o entre como o sujeito se v� e como ele � visto”, afirma. “Embora reconhe�amos a validade da autodeclara��o, em termos de den�ncia a universidade precisa investigar e tem instrumentos para tal. A classifica��o para isso � um princ�pio juridicamente reconhecido, tanto quanto a autodeclara��o”, completa.
MESTI�OS O pr�-reitor defende ainda que um ponto � o reconhecimento do sujeito mesti�o. “O filho de negro e branco, mas que n�o se reconhece como estudante negro. A pol�tica de reserva de vaga racial � para estudante negro, preto ou pardo, ou seja, negro de pele clara (pardo) e negro de pele escura (preto). Mas n�o � poss�vel ser pardo sem ser negro, e talvez essa confus�o � que esteja no imagin�rio da popula��o brasileira: a do mesti�o sem ra�a”, ressalta. “E a pol�tica n�o � dirigida para pessoas sem ra�a, mas para esse negro, seja ele de pele clara ou escura.”
Al�m das medidas, a Federal de Minas informa que vai investir em educa��o racial e na divulga��o de materiais para orientar os candidatos a n�o agir de m�-f�. “A decis�o n�o vai na dire��o de uma ‘ca�a �s bruxas’, mas de aprimoramento social, de construir um procedimento mais adequado.”
Perfil em rede social definiu novo dossi�
Os alvos mais recentes de den�ncias de fraude nas cotas raciais da UFMG s�o alunos que foram aprovados no Sistema de Sele��o Unificada (Sisu) de 2018 e entraram na gradua��o este semestre ou entrar�o no pr�ximo. “S�o casos gritantes e escandalosos de uso indevido de cota racial. N�s tivemos a preocupa��o de nem contar o estudante pardo. Procuramos casos de absoluta neglig�ncia da pol�tica p�blica”, disse Alexandre Braga, presidente da Uni�o de Negros e Negras pela Igualdade (Unegro). A UFMG anunciou que esses 28 casos tamb�m passar�o pelo crivo da comiss�o de sindic�ncia. Se constatadas irregularidades, os alunos sofrer�o processo administrativo disciplinar.
Sob o lema de “Fraudes nas cotas n�o passar�o em branco”, uma p�gina no Facebook foi criada para reunir as den�ncias. Cerca de 40 pessoas participaram da comiss�o de triagem para encontrar alunos acusados nos cursos de odontologia, ci�ncias sociais, medicina, comunica��o e psicologia. Em formul�rio de preenchimento obrigat�rio, o denunciante devia p�r nome e curso dos alunos que julgava ter fraudado o sistema. Segundo ele, o grupo recebeu 154 den�ncias. “Fizemos uma triagem e, destes, foram gerados os 28 protocolos de suspeitas de fraude, que foram levados � UFMG”, pontuou Alexandre. Ele explicou que os crit�rios principais s�o cor da pele e tra�os f�sicos. “Procuramos o perfil dos alunos nas redes sociais (como Facebook e Instagram) e fizemos esse relat�rio, incluindo tamb�m o n�mero de matr�cula.”
Os nomes dos acusados de fraude n�o foram divulgados. “Informamos os nomes s� para a universidade, mas isso ficar� aberto para consulta p�blicas nas redes sociais. O objetivo n�o � criar nenhum conflito com o estudante, mas garantir a integridade da pol�tica p�blica. Os investigados n�o foram contatados, para que pud�ssemos oficializar a den�ncia”, disse.
Alexandre Braga contou que a plataforma continua aberta a novas den�ncias. “Provavelmente haver� mais casos. Continuaremos apurando e enviando para a UFMG. E, agora, fica um alerta para o estudante que quer entrar na universidade p�blica. N�s n�o queremos punir ningu�m. Queremos orientar que existe uma pol�tica p�blica que precisa ser respeitada e n�o � pra todo mundo. Se fosse para todo mundo, n�o precisaria da pol�tica”, afirmou.
O que diz a lei
A Lei 12.711, de 2012, conhecida como Lei de Cotas, determina que universidades e institutos federais reservem metade das vagas de gradua��o para quem cursou integralmente o ensino m�dio em escolas p�blicas. Nesse universo, s�o estabelecidos crit�rios de renda e raciais. Metade das vagas ser� destinada a alunos da rede p�blica de fam�lias com renda de at� 1,5 sal�rio m�nimo por pessoa. Os outros concorrentes da rede p�blica poder�o ter qualquer renda. A porcentagem de alunos que se autodeclaram pretos, pardos, ind�genas e deficientes ter� de ser no m�nimo a mesma dessa popula��o no estado, segundo censo do IBGE.
Sindic�ncia
61
den�ncias contra estudantes que entraram na UFMG supostamente burlando a pol�tica de cotas raciais foram analisadas
34
apura��es resultar�o em processos, que podem culminar at� em expuls�o
10
se referem a estudantes que j� se desligaram da institui��o.
17
estudantes que se beneficiaram da pol�tica tiveram a autodeclara��o de pretos/pardos e ind�genas validada por meio da an�lise de cor da pele, tipo de cabelos, formato dos l�bios, entre outras caracter�sticas